Conteúdo de Você S&A, publicado pela Exame. Com entrevista de Aureo Villagra, CEO da Goldratt Consulting Brasil
Vez ou outra surgem modismos que prometem aumentar a eficiência. Muitos deles, além de não trazer nenhum resultado, podem aumentar o estresse e a ansiedade
De doses de LSD a água morna com limão, são muitas as técnicas para turbinar a produtividade. Seja pela sobrecarga, seja pelo fantasma da procrastinação, todo mundo está em busca de um novo jeito de ser mais eficiente. O mais recente deles, que anda circulando pelas redes sociais, consiste em deixar a bateria do notebook descarregar propositalmente para criar uma pressão e, assim, terminar o trabalho mais rapidamente. “Por causa da internet, é cada vez mais comum ver pessoas disseminando ferramentas sem embasamento. O resultado é que muitos acabam se prejudicando na tentativa de melhorar o desempenho”, diz Tathiane Deândhela, especialista em produtividade e gestão de tempo, de Goiânia.
E foi exatamente isso que aconteceu com o mineiro Jairo Barbosa, de 32 anos. O gerente da Localiza, empresa de aluguel de carros, em Belo Horizonte, conta que utilizou a estratégia do notebook quando precisava entregar um relatório importante, mas, em vez de aumentar o foco, o efeito foi contrário. “Como o computador envia alguns alertas, ficava preocupado com o tempo esgotando, e isso me desviava do trabalho. No final, resolvi conectar o cabo de energia e continuar sem ter de me atentar a isso”, diz. Ele também observa o fato de que, geralmente, a bateria dos notebooks, depois de certo período, fica viciada e sinaliza uma duração que na verdade não é a real. “Imagina, às vezes você está no auge de sua concentração e precisa parar porque o computador vai reiniciar?”
O mito da multitarefa
Já faz algum tempo que o termo “multitarefa” ganhou status de qualidade no mundo corporativo. Tanto que o comportamento de realizar várias coisas ao mesmo tempo é estimulado e bem-visto por muitas empresas. Porém, pesquisas apontam que grande parte da população não consegue se concentrar em mais de uma atividade ao mesmo tempo. E o pior é que, ao se forçar a agir assim, você pode fazer seu desempenho despencar. “Nosso cérebro fica intercalando entre uma atividade e outra sem se dedicar a nenhuma das duas, o que nos torna mais passíveis de erros”, diz Tamara Myles, autora do livro Produtividade Máxima (Sextante, 34,90 reais) e especialista no tema.
Essa crença de que é possível terminar um relatório ao mesmo tempo em que ouvimos música, checamos e-mails e espiamos o celular faz surgir várias receitas (e modismos) para recuperar a capacidade de concentração perdida. “O problema da produtividade não é a quantidade de horas gastas em determinada atividade, mas as distrações durante esse período. Realizar mais de uma coisa por vez faz com que levemos o dobro do tempo em comparação a nos concentrarmos apenas em uma”, diz Enio Klein, presidente da consultoria Doxa Advisers, de São Paulo.
Por isso, diversos especialistas defendem que é preciso abandonar a ideia de fazer muito para adotar o famoso “menos é mais”. “Produtividade é produzir o que importa primeiro, porque é isso que vai me trazer mais resultados, mesmo que signifique menos entregas. Quando a gente mora no quadrante do urgente e não no do mais importante, apenas resolvemos questões de curto prazo e perdemos grandes oportunidades ou inovações”, diz Tamara.
Divisão racional
Como sempre surgem demandas que parecem ser urgentes e importantes, é comum parar uma tarefa no meio do processo e se dedicar a outra, ficando com várias pela metade. “Se eu tenho dez obrigações para fazer, um conselho prático é cortar essas atividades. Sempre estamos com, pelo menos, o dobro do que efetivamente damos conta”, diz Aureo Villagra, presidente da Goldratt Consulting Brasil, consultoria de gestão empresarial de São Paulo. Mesmo que não haja a possibilidade de conversar com colegas e superiores para pedir ajuda ou estender prazos, é possível adotar algumas estratégias. “Comece a trabalhar com blocos de tempo: metade do seu dia dedicado a coisas urgentes e metade a projetos importantes, de longo prazo”, afirma Aureo.
Se mesmo assim nada der certo e você precisar cronometrar as horas, o ideal é que esse cálculo seja racional. Um dos métodos mais conhecidos desse tipo é o “Pomodoro”. Criado pelo italiano Francesco Cirillo nos anos 80, ele consiste na utilização de um cronômetro para dividir o trabalho em períodos de 25 minutos, separados por intervalos de 5 minutos que podem conter pequenas recompensas. A técnica ganhou esse nome em alusão aos timmers em formato de tomate, populares na Itália. “A estratégia é estruturada. O período em que você imerge em algo não é nem curto, o que o impediria de focar de verdade, nem extenso, o que seria exaustivo. Isso, associado à nossa mentalidade de ganhar um prêmio, ajuda na concentração”, diz Tamara.
Ariane Osshiro, empreendedora de Campo Grande: recompensas a cada 25 minutos de produção | Alexis Prappas Para a administradora Ariane Osshiro, de 34 anos, o fator recompensa motiva mesmo. A campo-grandense é empreendedora há sete anos na área infantil. A atividade, que envolve longos períodos de concentração e trabalho manual, obrigou Ariane a criar estratégias para não se distrair. De todas elas, adotar os intervalos de 5 minutos após os 25 de foco total foi o que mais funcionou. “No final, sempre procuro fazer algo que me dê prazer, como tomar um chá ou ouvir uma música”, diz. Mas, além dos pequenos prêmios, a adrenalina de cumprir o prazo ao qual se comprometeu é estimulante. “Preciso de desafios. Quando saí do escritório, isso era um grande problema, pois eu não tinha um motivo para competir e procrastinava sempre. Com essa técnica consigo ficar concentrada”, afirma.
Pressão x Estímulo
No dicionário, um dos significados da palavra “pressão” é “uma força exercida em determinada direção”. Por causa dela, estipulamos metas, prazos, nos organizamos para atingir objetivos específicos — o que pode até ter um viés motivador. “Existe a pressão desordenada, aquela que impõe aos liderados milhões de tarefas sem orientação e com prazo curto. Mas existe a que é orientada para o resultado, na qual há um propósito”, afirma Tathiane.
No longo prazo, porém, colocar-se sob essa tensão permanente pode trazer prejuízos que vão além de um trabalho malfeito (o que já seria ruim). É possível cair num ciclo de procrastinação exatamente por não conseguir lidar com a urgência das entregas — mesmo que a pressão tenha um objetivo muito claro a ser alcançado. “Quase todas as pessoas tendem a procrastinar. Isso acontece porque elas, no fundo, querem evitar situações de desgaste. Então, adiam na esperança de retardar o momento de ter de enfrentar, seja um problema, seja um trabalho. No final, causam o sofrimento que não queriam”, diz Roberto Debski, coach e master trainer em neurolinguística, de Santos (SP). Nesses casos, surge o estresse. “Muitas pessoas dizem que produzem mais em momentos de pressão, o que até pode ser verdade, porém, o que elas não percebem é que se submeter de forma contínua a situações como essa pode evoluir para doenças como insônia, gastrite e distúrbios psicológicos”, afirma Roberto.
Por isso, é preciso entender até onde você pode ir na busca pela produtividade— algo que é totalmente individual. “Pessoas competitivas, por exemplo, reagem melhor a estímulos estressantes. Já as de perfil cauteloso não conseguem produzir em condições assim”, diz Tathiane. E, mesmo com a dose de pressão correta, o ideal é criar um planejamento para que a tensão não seja sempre o único recurso. Produtividade é um hábito construído todos os dias, que precisa ser praticado para fazer parte da rotina sem que seja necessário sobrecarregar a si mesmo — ou descarregar a bateria do notebook.